sábado, 6 de dezembro de 2008

Primeira indemnização decidida pelo tribunal contra escolas e a favor de estudantes humilhados em praxes

Piaget condenado a pagar 40 mil euros
a aluna vítima de praxe

05.12.2008 - José Augusto Moreira - Jornal "Público"
O Tribunal da Relação do Porto condenou o Instituto Piaget a pagar uma indemnização de cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de actos de praxe, considerados degradantes e humilhantes.
O acórdão, que diz respeito a factos ocorridos em 2002, em Macedo de Cavaleiros, considera que constitui ilícito civil a conduta de uma instituição do ensino superior que, embora conhecendo o conteúdo de um código de praxe ofensivo, intimador e violador da dignidade da pessoa humana, permite ao mesmo tempo que continue a ser aplicado.
Por outro lado, frisam os juízes, tal instituição tem o dever específico de respeitar, fazer respeitar e promover direitos fundamentais, como o respeito mútuo, a liberdade, a solidariedade e a dignidade da pessoa humana, pelo que incorre na obrigação de indemnizar quem tenha sido ofendido pelas praxes académicas, relativamente aos danos patrimoniais e morais.
O Instituto Piaget informou que não vai comentar a decisão, mas que dela vai apresentar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Esta é a primeira decisão conhecida em que uma instituição é condenada a ressarcir um aluno vítima de praxes académicas. A acção foi proposta por uma ex-aluna do curso de Fisioterapia, Ana Damião, que se queixou de praxes violentas, degradantes e humilhantes e de nada ter acontecido depois de denunciar os factos aos responsáveis pela escola, que até lhe aplicou uma sanção disciplinar "pela forma subjectiva e excessiva como relatou os factos". Ana Damião teve que anular a matrícula e afastar-se da cidade, onde era alvo de frequentes ofensas e insultos por ter denunciado o caso.
Numa primeira decisão, o Tribunal de Macedo de Cavaleiros acabou por não lhe dar razão, já que, embora confirmando os factos, acabou por absolver a escola considerando não ter ficado provado que a aluna se tenha recusado a submeter-se às actividades da praxe. Na decisão de recurso, os juízes da relação fazem uma severa apreciação desta decisão, considerando que nela se "confunde de forma simplista a não recusa com o consentimento" ao mesmo tempo que "não valorizou a ambiência de medo, constrangimento e ansiedade" vivida pela aluna. O acórdão agora conhecido afirma mesmo que "mal andou o tribunal [de Macedo de Cavaleiros]" ao afirmar que "as praxes académicas constituem um fenómeno público e notório e do conhecimento geral", uma vez que tal "não permite concluir que autora [a aluna] ou qualquer cidadão comum conheça o teor dessas práticas: como simular actos sexuais com um poste, simular um orgasmo, exibir a roupa interior, proferir expressões de elevada grosseria ou ser chamado de bosta".
A indemnização, de 38.540 euros, acrescidos de juros desde o início do processo, resulta dos danos morais e patrimoniais sofridos por Ana Damião, já que perdeu o ano e foi forçada a sair da escola, tendo entretanto concluído outro curso numa escola de Chaves. A sua advogada, Elisa Santos, considera que, além de fazer justiça, a decisão é também "um prémio para a atitude extraordinária e corajosa" mantida por Ana Damião.

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